PREVIDÊNCIA SOCIAL: CHILE

Tempo de leitura: 11 minutos

(Esse artigo é parte integrante da nossa série especial sobre A Previdência Social ao Redor do Mundo. Para acessar o material completo com os demais artigos clique aqui).

Na segunda parte da nossa série, vamos abordar os modelos existentes de previdência social no Chile, o país que tentou inovar no seu método de aposentadoria!

Previdência Social: Chile.

O sistema de previdência no Chile é bastante diferente da nossa previdência brasileira e também de outros países do mundo, uma vez que lá cada cidadão é responsável pela sua própria previdência no que tange a acumulação dos recursos ao longo da vida profissional.

O modelo previdenciário chileno, antes igual ao brasileiro onde existe o método de repartição, passou por uma brusca mudança na década de 1980, período ditatorial, quando o governo da época verificou o que preocupa muitos governos atualmente: o déficit entre pessoas contribuindo hoje versus os recursos necessários às gerações futuras.

Com um sistema estatal falido, o governo verificou que o envelhecimento da população se dava ao passo que em um curto período de tempo não haveriam mais pessoas em idade de contribuição suficientes para cobrir as necessidades dos que estivessem recebendo suas aposentadorias e, portanto, haveriam rombos nas contas estatais.

Sendo assim foram feitas modificações na legislação previdenciária que alteraram o modo que os chilenos acumulariam seus recursos. O novo modelo baseia-se em três grandes premissas:

1º) Contribuição individual obrigatória:

No Chile, cada cidadão que trabalha junto a uma empresa possui uma conta em um plano de contribuição individual em uma AFP ou “administradoras de fundos de pensões”. Essas empresas são de caráter privado, ou seja, atuam sem a intervenção estatal direta em sua administração e no gerenciamento dos demais bens depositados nas contas dos clientes (porém, continuam respondendo à legislação pertinente ao setor).

Em resumo, cada trabalhador deve abrir uma espécie de “conta poupança previdenciária” aonde ele depositará mensalmente um percentual de seu salário (mínimo de 10%) que no futuro será convertido em uma renda mensal durante a aposentadoria, ou seja, no início da fase recebimento, o cálculo dos benefícios a conceder a cada cidadão fica a mercê do montante que ele foi capaz de acumular durante a fase de acumulação de recursos.

A idade mínima para se aposentar é de sessenta anos para as mulheres e de sessenta e cinco para os homens e são necessárias duzentas e quarenta contribuições para estar apto a sacar sua aposentadoria, ou seja, no total são vinte anos de acumulação de recursos.

O modelo privado proposto de previdência tinha o foco de eliminar dois problemas do governo ao mesmo tempo: a) o eminente déficit a caminho no que se refere ao envelhecimento de sua população, o que consumiria o orçamento estatal e b) a gestão dos recursos captados com o antigo modelo previdenciário que demandava pessoal e recursos para sua administração.

Com a privatização do setor de previdência chilena o governo da época recebeu um fôlego extra para continuar operando (o gasto público em relação ao PIB do Chile com previdência despencou de 34% para 22%).

Logo no primeiro ano do novo modelo foram criadas aproximadamente quatorze AFPs, quando ser um vendedor de previdências se tornou o “emprego do ano” com milhares de chilenos oferecendo planos e mais planos com diferentes vantagens e atributos para cada tipo diferente de investidor, batendo de porta em porta de seus amigos e vizinhos a fim de empurrar um plano previdenciário.

Logo milhares de trabalhadores que estavam adentrando ao mercado de trabalho aderiram de forma automática ao plano e iniciaram a poupança de seus recursos em suas próprias contas privadas de previdência, enquanto o governo permaneceu com a gestão dos recursos daqueles que estavam sob o modelo estatal anterior ao projeto de privatização e que não aceitaram a proposta de migração para um plano privado (foi dada a opção da troca).

A priori tudo correu bem com o governo que foi aos poucos se desvinculando da administração dos recursos previdenciários e transferindo a responsabilidade destes às AFPs, tendo o modelo sido elogiado por órgãos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, além de outros países que vieram ao Chile observar o novo modelo a fim de implementar mecanismos parecidos em seus próprios sistemas.

Não só o mercado previdenciário teve um choque como o mercado de capitais também, com um novo fluxo de potenciais investidores de longo prazo que estavam em busca da conciliação entre rentabilidade e segurança uma vez que os recursos estavam em empresas privadas, as AFPs podiam buscar um maior retorno sobre o patrimônio dos trabalhadores, respeitando seus perfis de risco e garantindo um percentual, na maioria das vezes, acima da inflação do período, o que garantia aos futuros aposentados um maior poder de compra durante a fase de recebimento, quando ao longo do período de acumulação o retorno médio veio acima da elevação do custo de vida.

O início do fim.

Parece que enfim deu tudo bem, certo? Errado. Após alguns anos do novo modelo as coisas começaram a desandar, o que gerou revolta por parte da população e intervenções estatais a fim de balancear o novo sistema previdenciário.

Uma das principais críticas se deu com o fato da nova previdência não alocar todos os cidadãos sob o guarda-chuva da proteção social. Como dito anteriormente, cada funcionário junto a uma empresa possui automaticamente uma conta privada, porém trabalhadores autônomos (inclusos produtores rurais) se viram sem cobertura previdenciária quando eles próprios deveriam realizar contribuições sem qualquer amparo de uma contrapartida empresarial (afinal muitos eram donos de suas próprias empresas individuais e não tinham uma estrutura adequada para arcar com os custos de uma AFP, tirando do próprio lucro o valor que deveria ser depositado).

Como a renda de um autônomo pode variar de mês a mês a contribuição mínima de 10% nem sempre é atingida e com isso o número de parcelas que ele deve realizar para compor o “montante mínimo” pode aumentar e postergar ainda mais a sua aposentadoria.

A segunda crítica gira em torno do alto custo administrativo que os contribuintes chilenos pagam pela gestão do serviço administrativo das AFPs que diminuem a rentabilidade do patrimônio total e tira a vantagem de se ter um plano previdenciário. No país as taxas variam de instituição para instituição e podem chegar até 2,5% em média, valor percentual não muito diferente das taxas que estamos acostumados no Brasil (seríamos nós tão conformados assim?).

Ao contrário do que se imaginou, a criação de várias administradoras de fundos de pensão não barateou o custo das taxas administrativas com as empresas concorrendo entre elas. Na verdade, elas cobravam valores semelhantes e tentavam conquistar os clientes com “diferenciais” como prêmios, sorteio ou promoções. Um misto de sentimentos de novidade com falta de informação levou centenas de milhares de chilenos a adentrarem em planos privados de previdência sem sequer botar na ponta do lápis os prós e contras do investimento.

Quanto recebe um aposentado chileno?

E quanto recebem os aposentados de lá? Segundo os próprios chilenos, pouco!

Quando os primeiros trabalhadores que aderiram ao modelo privado chegaram à sonhada aposentadoria, os valores pagos pelas AFPs foram potencialmente menores do que muitos deles estavam contando, chegando a algo em torno de 40% a 60% do salário mínimo, portanto uma quantia que não cobre os custos de vida de um cidadão médio no país.

Sindicatos por todos os lados lutam constantemente para que ocorra uma atualização dos valores pagos aos aposentados a fim de compensar essa diferença entre o elevado custo de vida versus um valor de aposentadoria insuficiente. Em meados de 2013 o governo cedeu à pressão e prometeu complementar as aposentadorias que estivessem abaixo da faixa de cem mil pesos, melhorando a quantidade monetária recebida por cada contribuinte.

Outro problema é a rentabilidade que os fundos podem trazer aos seus contribuintes uma vez que parte do capital acumulado é aplicado na bolsa de valores. Momentos de estresse como em crises financeiras (lembra de 2008?) podem destruir a rentabilidade construída ao longo de anos em apenas algumas semanas ou meses.

Ainda acha a previdência brasileira ruim? Saiba que no Chile há mais um problema! O governo lá vincula a utilização do sistema público de saúde à obrigatoriedade do trabalhador possui uma conta junto a uma AFP.

Isso mesmo, para que alguém possa utilizar o “SUS Chileno” no país ele precisa estar cadastrado e contribuindo ao sistema previdenciário por pelo menos seis meses (e eles ainda pagam cerca de 7% do salário para financiar o sistema público) ou então será obrigado a contratar um plano de saúde privado para ter acesso a hospitais e clínicas de atendimento.

2º) Assistência estatal:

A fim de corrigir as falhas que o sistema privado trouxe aos trabalhadores chilenos, o governo interviu no setor  de previdência social com alguns benefícios que corrigiam eventuais distorções.

A segunda premissa que sustenta o sistema previdenciário chileno se dá com a participação estatal na gestão de alguns benefícios específicos a determinados grupos de cidadãos que não foram capazes de criar uma reserva financeira através da capitalização individual na AFP.

Para aqueles que não acumularam recursos o governo disponibiliza um valor de “aposentadoria solidária” o qual paga uma quantia ao aposentado maior de sessenta e cinco anos e que esteja dentro de uma faixa mínima de pobreza, estipulada pelo próprio governo (o valor também é pago aos inválidos e deficientes). Além do valor pago a quem nunca contribuiu o governo também auxilia quem contribuiu, mas não atingiu o valor mínimo a ser depositado para ter direito à aposentadoria integral, funcionando como um incentivo de criação de uma reserva de valores a quem não atinge os 10% mínimo, porém realizou a reserva de uma quantia menor.

O “aporte solidário” estimula o trabalhador do país a poupar um percentual do seu salário, mesmo que não suficiente, trazendo a ele o benefício da complementação de valor pelo estado, resultando em uma quantia maior do que a “aposentadoria solidária” àqueles que sequer contribuíram.

Há quem cobre uma maior participação do governo na cobertura da aposentadoria para a população chilena, tendo como base para o pedido de mais atenção à previdência social o fato de que os militares, apesar de serem os idealizadores e grandes defensores à época da criação do modelo privado, possuírem ainda sua aposentadoria paga através do sistema antigo, proporcionando a eles quantias proporcionalmente maiores, uma vez que recebem o salário integral.

3º) Contribuição individual voluntária:

Aos trabalhadores que desejam aumentar sua aposentadoria ou antecipar o recebimento dela, existem os modelos de previdência privada como alternativa de se aposentar somente com o acumulado pela contribuição mínima de 10% junto às AFPs.

Os trabalhadores chilenos podem contratar junto às instituições financeiras, planos que servem como um colchão extra à aposentadoria e combinar os valores para tentar alcançar o máximo de rentabilidade e cobertura que teve durante o período de contribuição. Assim como no Brasil, as “previdências individuais voluntárias” funcionam como “seguros” ao trabalhador protegendo-o em diversos momentos, como na ocasião de um acidente ou a demissão do emprego.

Esse é então o modo como funciona o sistema de previdência social chileno. Ficou interessado e quer saber mais? E que tal aprender tudo sobre a Previdência Brasileira? Clique abaixo e baixe as primeiras páginas no livro Previdência sem Segredos.

Até a próxima!

1 comentário


  1. 1-Ninguém pode ser obrigado a pagar obrigatoriamente, já está errado ai.

    2 – essas empresas feitas não estão pegando todos os cidadãos ( deixando os agricultores de fora), essas AFP só trabalho com o indivíduo dentro da empresas deixando os autônomos de fora. Pode ter várias questão de jogo do próprio governo, por exemplo, pq os autônomos não entram? talvez pq n pagam cargas tributarias ou n trabalham de carteira assinada como os funcionários?
    E empresa privada tem tendencias de pegar todos que querem o seu trabalho… então oq impede de eles aceitar os autônomos ??

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